terça-feira, fevereiro 28, 2006

Contribuições para a história de Moçambique por Uria Simango (Novembro, 1974)

Situação actual em Moçambique - um alerta que o mundo desconheceu

De modo a informar todos aqueles que se interessam pelos acontecimentos em Moçambique, decidi escrever estas breves linhas na esperança de que elas possam vir dar uma visão geral da situação.

O golpe de estado de 25 de Abril em Portugal, foi seguido de promessas dadas pela junta militar dirigida pelo General Spínola de que às colónias iria ser conferida a liberdade de escolherem o seu futuro. Deste modo, a independência seria concedida após eleições gerais, nos princípios de 1975, em que todos os partidos políticos poderiam participar. Com efeito, foi concedida uma amnistia a todos os políticos e aos movimentos de libertação, autorizando-se o seu regresso aos seus respectivos países de forma a terem a oportunidade de expressar os seus ideais antes das eleições.

Porém, a preocupação imediata de Portugal foi a de criar uma atmosfera de paz como condição necessária para uma pacífica actividade política e elaborar os instrumentos necessários para as eleições e transferência de poderes para os povos colonizados. Por conseguinte, viu-se que as conversações para um cessar fogo eram prioritárias. Por esse motivo, as conversações começaram para Guiné Bissau.

Cessar fogo

Em telegrama endereçado ao governo zambiano, o governo provisório português indicou que uma delegação liderada pelo Dr. Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, deveria estabelecer conversações em Lusaka com ambas forças – Frelimo e Coremo. Essas conversações não incluiriam questões relacionadas com a independência dado que as mesmas careciam da participação de outras forças políticas no interior do país.

Por razões por nós desconhecidas, na véspera das primeiras conversações as tropas zambianas atacaram as bases militares do Coremo em Moçambique, tendo procedido à detenção dos nossos combatentes. Os dirigentes do partido que na altura se encontravam em Lusaka foram detidos e posteriormente encarcerados.

As informações que obtivemos junto das autoridades prisionais são de que esses dirigentes foram transferidos para a Tanzânia, não sendo possível obter directamente quaisquer notícias dos mesmos.

Não nos causará surpresa ouvir dizer que todos eles acabaram por ser entregues a Frelimo, às mãos de quem a morte é o destino certo.
No decurso do mês transacto, tropas da Zâmbia e guerrilheiros da Frelimo, numa acção combinada penetraram no distrito de Tete no encalço das nossas forças que não haviam sido destruídas durante a primeira operação.

Não restam dúvidas de que a eliminação física do COREMO foi planeada de modo a manter a FRELIMO como o único interlocutor nas negociações com o governo português. Não cremos que as autoridades zambianas tenham agido de forma prudente, independentemente das suas melhores intenções.

A exclusão

Talvez os arquitectos do plano de exclusão não estivessem cientes do seu acto. Todavia, ao procederem dessa forma, acabaram por dividir o povo que pretendiam unir, pois um sector da população representado por outros partidos não foi ouvido e consequentemente, alienado ao acordo de Lusaka. Não seria lógico e correcto afirmar-se que o acordo foi imposto ao Povo? Que obrigações terão eles num acordo de que não fizeram parte?

(...) Milhares de pessoas já deixaram o país com destino à África do Sul e Rodésia. Algumas dessas pessoas encontram-se armadas. O número de desempregados cresceu em flecha como resultado do encerramento de diversos estabelecimentos. A economia atingiu o seu nível mais baixo – não há dinheiro no país.

Confrontos entre a Frelimo e o povo são frequentes e já provocaram a morte de mais de 1000 pessoas, maioritariamente em Lourenço Marques. Outras 2000 pessoas foram detidas, muitas delas por não apoiarem a Frelimo. Três campos de trabalhos forçados foram abertos para essas pessoas. Este número inclui 4 membros do Partido de Coligação Nacional – PCN, nomeadamente o SG, Basílio Banda, a secretária para Educação, Dra. Joana Simião, Pedro Mondlane e José Vilankulos. Já há unidades de guerrilha a operar contra a Frelimo em vários pontos do país, tendo já causado morte a 500 guerrilheiros da Frelimo. No dia 5 de Novembro, guerrilheiros da Frelimo e tropas portuguesas atacaram a residência de dirigentes do PCN tendo causado um morto.

(...) O PCN considera que Portugal deve honrar a sua promessa de que todos os partidos políticos, e particularmente o PCN, devem tomar parte nas tarefas de reconstrução nacional. Por aquilo que nos é dado a observar, a tensão aumenta diariamente. (...) Tudo resulta da forma errada como o governo português conduziu o processo da independência, e da ideologia defendida por Lisboa em nome da qual deseja sacrificar tudo e todos.

Por um lado, o governo português julga ser necessário restaurar a democracia em Portugal. Mas por outro, as autoridades portuguesas não acham que o mesmo seja necessário para Moçambique. Resta-nos rezar para que a situação não piore, pois ainda é possível evitar o desastre. (...). (In Uria Simango - um homem uma causa).

N.R.: Este texto resulta de fragmentos de um documento de Uria Simango que em Novembro de 1974 ele dirigiu às diversas embaixadas e comunicação social. Na altura a comunicação social nacional já estava em mãos de elementos próximos da Frelimo e o documento não chegou a ser publicado como o seu autor esperava.

Fonte: Mocambique para todos

2 comentários:

Anónimo disse...

Hugo de Menezes nasceu na cidade de São Tomé a 02 de fevereiro de 1928, filho do Dr Ayres Sacramento de Menezes.

Aos três anos de idade chegou a Angola onde fez o ensino primário.
Nos anos 40, fez o estudo secundário e superior em Lisboa, onde concluiu o curso de medicina pela faculdade de Lisboa.
Neste pais, participou na fundação e direcção de associações estudantis, como a casa dos estudantes do império juntamente com Mário Pinto de Andrade ,Jacob Azancot de Menezes, Manuel Pedro Azancot de Menezes, Marcelino dos Santos e outros.
Em janeiro de 1959 parte de Lisboa para Londres com objectivo de fazer uma especialidade, e contactar nacionalistas das colónias de expressão inglesa como Joshua Nkomo( então presidente da Zapu, e mais tarde vice-presidente do Zimbabué),George Houser ( director executivo do Américan Commitee on África),Alão Bashorun ( defensor de Naby Yola ,na Nigéria e bastonário da ordem dos advogados no mesmo pais9, Felix Moumié ( presidente da UPC, União das populações dos Camarões),Bem Barka (na altura secretário da UMT- União Marroquina do trabalho), e outros, os quais se tornou amigo e confidente das suas ideias revolucionárias.
Uns meses depois vai para Paris, onde se junta a nacionalistas da Fianfe ( políticos nacionalistas das ex. colónias Francesas ) como por exemplo Henry Lopez( actualmente embaixador do Congo em Paris),o então embaixador da Guiné-Conacry em Paris( Naby Yola).
A este último pediu para ir para Conacry, não só com objectivo de exercer a sua profissão de médico como também para prosseguir as actividades políticas iniciadas em lisboa.
Desta forma ,Hugo de Menezes chega ao já independente pais africano a 05-de agosto de 1959 por decisão do próprio presidente Sekou -Touré.
Em fevereiro de 1960 apresenta-se em Tunes na 2ª conferência dos povos africanos, como membro do MAC , com ele encontram-se Amilcar Cabral, Viriato da Cruz, Mario Pinto de Andrade , e outros.
Encontram-se igualmente presente o nacionalista Gilmore ,hoje Holden Roberto , com o qual a partir desta data iniciou correspondência e diálogo assíduos.
De regresso ao pais que o acolheu, Hugo utiliza da sua influência junto do presidente Sekou-touré a fim de permitir a entrada de alguns camaradas seus que então pudessem lançar o grito da liberdade.

Lúcio Lara e sua família foram os primeiros, seguindo-lhe Viriato da Cruz e esposa Maria Eugénia Cruz , Mário de Andrade , Amílcar Cabral e dr Eduardo Macedo dos Santos e esposa Maria Judith dos Santos e Maria da Conceição Boavida que em conjunto com a esposa do Dr Hugo José Azancot de Menezes a Maria de La Salette Guerra de Menezes criam o primeiro núcleo da OMA ( fundada a organização das mulheres angolanas ) sendo cinco as fundadoras da OMA ( Ruth Lara ,Maria de La Salete Guerra de Menezes ,Maria da Conceição Boavida ( esposa do Dr Américo Boavida), Maria Judith dos Santos (esposa de um dos fundadores do M.P.L.A Dr Eduardo dos Santos) ,Helena Trovoada (esposa de Miguel Trovoada antigo presidente de São Tomé e Príncipe).
A Maria De La Salette como militante participa em diversas actividades da OMA e em sua casa aloja a Diolinda Rodrigues de Almeida e Matias Rodrigues Miguéis .


Na residência de Hugo, noites e dias árduos ,passados em discussões e trabalho… nasce o MPLA ( movimento popular de libertação de Angola).
Desta forma é criado o 1º comité director do MPLA ,possuindo Menezes o cartão nº 6,sendo na realidade Membro fundador nº5 do MPLA .
De todos ,é o único que possui uma actividade remunerada, utilizando o seu rendimento e meio de transporte pessoal para que o movimento desse os seus primeiros passos.
Dr Hugo de Menezes e Dr Eduardo Macedo dos Santos fazem os primeiros contactos com os refugiados angolanos existentes no Congo de forma clandestina.

A 5 de agosto de 1961 parte com a família para o Congo Leopoldville ,aí forma com outros jovens médicos angolanos recém chegados o CVAAR ( centro voluntário de assistência aos Angolanos refugiados).

Participou na aquisição clandestina de armas de um paiol do governo congolês.
Em 1962 representa o MPLA em Accra(Ghana ) como Freedom Fighters e a esposa tornando-se locutora da rádio GHANA para emissões em língua portuguesa.

Em Accra , contando unicamente com os seus próprios meios, redigiu e editou o primeiro jornal do MPLA , Faúlha.

Em 1964 entrevistou Ernesto Che Guevara como repórter do mesmo jornal, na residência do embaixador de Cuba em Ghana , Armando Entralgo Gonzales.
Ainda em Accra, emprega-se na rádio Ghana juntamente com a sua esposa nas emissões de língua portuguesa onde fazem um trabalho excepcional. Enviam para todo mundo mensagens sobre atrocidades do colonialismo português ,e convida os angolanos a reagirem e lutarem pela sua liberdade. Estas emissões são ouvidas por todos cantos de Angola.

Em 1966´é criada a CLSTP (Comité de libertação de São Tomé e Príncipe ),sendo Hugo um dos fundadores.

Neste mesmo ano dá-se o golpe de estado, e Nkwme Nkruma é deposto. Nesta sequência ,Hugo de Menezes como representante dos interesses do MPLA em Accra ,exilou-se na embaixada de Cuba com ordem de Fidel Castro. Com o golpe de estado, as representações diplomáticas que praticavam uma política favorável a Nkwme Nkruma são obrigadas a abandonar Ghana .Nesta sequência , Hugo foge com a família para o Togo.
Em 1967 Dr Hugo José Azancot parte com esposa para a república popular do Congo - Dolisie onde ambos leccionam no Internato de 4 de Fevereiro e dão apoio aos guerrilheiros das bases em especial á Base Augusto Ngangula ,trabalhando paralelamente para o estado Congolês para poder custear as despesas familhares para que seu esposo tivesse uma disponibilidade total no M.P.L.A sem qualquer remuneração.

Em 1968,Agostinho Neto actual presidente do MPLA convida-o a regressar para o movimento no Congo Brazzaville como médico da segunda região militar: Dirige o SAM e dá assistência médica a todos os militantes que vivem a aquela zona. Acompanha os guerrilheiros nas suas bases ,no interior do território Angolano, onde é alcunhado “ CALA a BOCA” por atravessar essa zona considerada perigosa sempre em silêncio.

Hugo de Menezes colabora na abertura do primeiro estabelecimento de ensino primário e secundário em Dolisie ,onde ele e sua esposa dão aulas.

Saturado dos conflitos internos no MPLA ,aliado a difícil e prolongada vida de sobrevivência ,em 1972 parte para Brazzaville.

Em 1973,descontente com a situação no MPLA e a falta de democraticidade interna ,foi ,com os irmãos Mário e Joaquim Pinto de Andrade , Gentil Viana e outros ,signatários do « Manifesto dos 19», que daria lugar a revolta activa. Neste mesmo ano, participa no congresso de Lusaka pela revolta activa.
Em 1974 entra em Angola ,juntamente com Liceu Vieira Dias e Maria de Céu Carmo Reis ( Depois da chegada a Luanda a saída do aeroporto ,um grupo de pessoas organizadas apedrejou o Hugo de tal forma que foi necessário a intervenção do próprio Liceu Vieira Dias).

Em 1977 é convidado para o cargo de director do hospital Maria Pia onde exerce durante alguns anos .

Na década de 80 exerce o cargo de presidente da junta médica nacional ,dirige e elabora o primeiro simpósio nacional de remédios.

Em 1992 participa na formação do PRD ( partido renovador democrático).
Em 1997-1998 é diagnosticado cancro.

A 11 de Maio de 2000 morre Azancot de Menezes, figura mítica da historia Angolana.

ayres Guerra Azancot de Menezes disse...

Seria importante que consultassem o espolio emprestado a universidade de letras de Lisboa , pertencente a viúva e filhos do Dr. Hugo José Azancot de Menezes.
Este espolio constituído por 2500 documentos originais, 60 fotografias e 60 cartas do Aires de Sacramento de Menezes.
Esta documentação contem matéria relevante sobre Moçambique e sobretudo o Kamba Simango ,que trabalhou na radio Ghana nas emissões em língua portuguesa.

Escrito por: Ayres Guerra Azancot de Menezes