segunda-feira, abril 03, 2006

FRELIMO trava revisão da lei eleitoral

—“Não é verdade”, Alfredo Gamito, da bancada maioritária

Por Robben Jossai

A bancada parlamentar da RENAMO-União Eleitoral (RUE) responsabilizou, esta terça-feira, a FRELIMO de estar a travar o processo de revisão da lei eleitoral, cujo projecto vem sendo discutido desde o ano passado.

Segundo o deputado João Alexandre, relator da Comissão ah-doc da Revisão da Legislação Eleitoral, a bancada maioritária está a impedir o processo ao propor que o presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) seja indicado pelo Presidente da República (PR), o que demonstrou, nos primeiros pleitos eleitorais, não ser praticável. Foi com base nisso que se propôs que o responsável máximo da CNE fosse indicado pela sociedade civil, o que aconteceu nos dois últimos pleitos eleitorais.

Para Alexandre, não faz sentido que num sistema multipartidário tenha de ser o Presidente da República a designar um presidente da CNE, pois, à partida, este “vai fazer tudo o que ele (PR) e a FRELIMO quiserem”.

Frisou que Brazão Mazula foi um presidente eleito por consenso dos partidos políticos. “Quem está a travar este processo é a FRELIMO. Propôs uma coisa que sabe muito bem que o povo não vai aceitar, que a bancada da RUE não vai aceitar. A FRELIMO sabe que o povo moçambicano não vai aceitar que o presidente da CNE seja indicado pelo Chefe do Estado”, disse.

Acrescentou que “a FRELIMO quer nos remeter novamente ao monopartidarismo, em que nomeava a quem quisesse e ninguém se podia opor. Por essa razão dizemos que a FRELIMO está a impedir a revisão da lei eleitoral”.

A FRELIMO defende ainda que alguns membros da CNE saiam do Conselho de Ministros, do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), do Conselho Superior da Comunicação Social (CSCS), para além de representantes da sociedade civil.

“Analisando tudo isto, chegámos à conclusão de que a FRELIMO quer estar sozinha na CNE. Por outras palavras, a FRELIMO quer, através da Assembleia da República, retornar ao monopartidarismo, o que nunca vamos aceitar”, sustentou o deputado.

Actualmente, o trabalho foi remetido à chefia das duas bancadas. “O trabalho já não está na comissão. Foi remetido às chefias das bancadas, mas quem está a dificultar o processo é a FRELIMO”, acusou.

Litsuri foi imposto

João Alexandre reiterou que o presidente da CNE deve sair da sociedade civil e não da Presidência da República. E lamentou aquilo que designou de ausência de transparência na eleição de Arão Litsuri, o actual presidente da CNE. “A sociedade civil tinha proposto três candidatos, mas a FRELIMO impôs Arão Litsuri, um homem que não tem vínculo com a sociedade civil. Apareceu como força do partido FRELIMO”.

Sublinhou que, caso o presidente da CNE tivesse sido eleito democraticamente, o processo eleitoral teria sido melhor. “A FRELIMO pegou no Arão Litsuri e politizou-o. E o resultado foi o que vimos”, acrescentou.

Quanto à composição, João Alexandre diz não haver problemas de relevo, considerando que a
divergência existente no número dos membros da CNE é discutível, tanto é que “estamos dispostos a encontrar um número consensual com a bancada da FRELIMO, desde que haja equilíbrio”.

A RUE defende que os membros da CNE sejam designados pelos partidos políticos com assento no Parlamento, sendo que os restantes seriam elementos da sociedade civil.

Presidente deve ser indicado pela sociedade civil

Para a Oposição Construtiva, liderada por Yá-Qub Sibinde, a revisão da lei eleitoral ainda é prematura. Aquela força política, também conhecida por parlamento-sombra, defende que o projecto de revisão da lei eleitoral seja remetido a debate público por forma a permitir o envolvimento de todos os moçambicanos.

Colocar o eleitorado a participar na revisão da lei que rege o funcionamento dos órgãos eleitorais seria uma forma de contribuir para que a CNE reconquiste a confiança que se está perdendo, sobretudo nos dois últimos escrutínios, defende Sibinde. “É preciso devolver a confiança que os eleitores perderam em relação aos órgãos eleitorais”.

Relativamente à proveniência do presidente da CNE, a Oposição Construtiva diz que a fonte deve ser a sociedade civil, como já está a acontecer. “O presidente da CNE deve sair da sociedade civil, e não deve ter interesses políticos, especialmente nos processos eleitorais”. Sugere, ainda, que a CNE seja constituída por oito membros, todos da sociedade civil.

Nada travamos, Alfredo Gamito, da FRELIMO

O chefe da Comissão Ad-hoc para a Revisão da Lei Eleitoral, Alfredo Gamito, negou que a sua bancada estivesse a travar o processo, explicando que o importante é que da revisão resulte uma lei eleitoral que reflicta os anseios dos moçambicanos, daí que, primeiro, se devem tomar em conta os objectivos que classificou de principais, como a redução do número de membros da CNE, sua profissionalização, gestão de prazos eleitorais e tornar o órgão menos partidarizado.

Estes objectivos, diz Gamito, foram traçados por diversos intervenientes, destacando-se entre eles o Conselho Constitucional.

Segundo Gamito, a proposta para que o presidente da CNE seja designado pelo Chefe de Estado está relacionada com aquilo que considerou como tendo sido o fraco desempenho das duas últimas direcções da CNE.

“Duas das quatro comissões (nacionais de eleições) que tivemos vieram da sociedade civil, mas fazendo-se o balanço parece que não foram tão eficazes. Não éramos contra a ideia do presidente da CNE vir da sociedade civil, mas, da experiência anterior, concluímos que não deu certo e, então, estamos a propor que seja designado pelo PR”, disse.

Gamito acusou a RUE de ser incapaz de apresentar propostas claras, sublinhando que, tendo sido a bancada parlamentar da oposição que porpôs a indicação do presidente da CNE pela sociedade civil, é ela mesma que sempre aparece a reclamar os resultados eleitorais, após a sua divulgação.

Acrescentou que o discurso da RUE quanto à necessidade de profissionalização da CNE é contrário à sua prática, ao sugerir que a maior parte dos membros da CNE sejam indicados pelos partidos políticos.

Gamito assegurou que, uma vez alcançado um consenso ao nível da sua comissão, a proposta da nova lei será submetida a debate público, antes da sua discussão ao nível da plenária. “Isso faz parte dos nossos planos, mas não vamos a público sem uma base que nos sirva de ponto de partida”.

Justificou a proposta da sua bancada de incluir na nova CNE representantes do CSMJ e do CSCS afirmando que a natureza do trabalho destas instituições implica que elas estejam muito envolvidas no processo eleitoral.

Fonte: Savana [edição de 24-03-06]

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