domingo, dezembro 17, 2006

As palavras


A talhe de Foice

Por Machado da Graça

Numa recente entrevista à jornalista Teresa Lima, da BBC de Londres, transcrita pelos jornais Mediafax e Savana, o Presidente da República deu algumas respostas com as quais, com o devido respeito, não posso concordar.
Ou, para ser mais exacto, que me parecem merecer uma leitura mais aprofundada e não atarmo-nos ao seu significado superficial.
Para ser mais claro vou reproduzir essas respostas:
Falando sobre a corrupção, Armando Guebuza disse: “ Pois bem, se nós temos uma acusação a fazer, que se faça a acusação e fazemo-la seguir de acordo com as normas que o país tem”
E, mais adiante, ainda sobre o mesmo tema: “ ...mas, enquanto a lei estabelece o que estabelece, naquilo que me compete, eu devo proteger a lei.”
Ora bem, lidas de forma superficial estas duas afirmações do Chefe de Estado parecem perfeitamente correctas e aceitáveis. É claro que ele jurou defender a lei e as coisas devem seguir os tramites legais.
Onde eu começo a discordar é no facto de Armando Guebuza estar perfeitamente consciente de que as nossas estruturas da área judicial não estarem a cumprir a sua função e, portanto, ao remeter a solução dos casos de corrupção para essas estruturas, saber bem que, com grande grau de probabilidade, está a atirar esses casos para um poço sem fundo de onde nunca mais voltam a sair.
Costuma-se dizer que a Justiça, quando é demasiado lenta, se transforma em injustiça. E, no nosso país, se a Justiça tem que ser exercida contra alguém, de perto ou de longe, ligado ao Partido Frelimo, essa Justiça não é lenta, fica pura e simplesmente parada.
O actual Procurador Geral da República, nos vários anos que leva já no cargo, não foi capaz de fazer sentar no banco dos réus, um único indivíduo ligado ao Poder. E muitos foram denunciados, com provas evidentes, através da imprensa e, mesmo, através de auditorias realizadas pelo Estado.
Só que, quando as coisas entram na Procuradoria, é como se morressem.
O processo em relação às bolsas de estudo que o anterior Ministro da Educação ofereceu, ilegalmente, a familiares e amigos, demora assim tanto tempo a preparar ?
Os desvios vultuosos de fundos no Ministério do Interior, no tempo de Almerindo Manhenge, são assim tão dificeis de investigar? Mesmo depois da auditoria feita e entregue à Procuradoria?
E tantos outros exemplos podiam aqui ser citados.
Portanto, a aparente clareza das respostas de Armando Guebuza é posta em causa pela dura realidade de uma Procuradoria que se mostra totalmente incapaz de pôr, minimamente, em causa a área do Poder.
Podem-me dizer que o Chefe de Estado, em relação a isso, nada pode fazer e que tem que fazer as suas omeletes com os ovos de que dispõe.
Pois nem sequer isso é verdade. Se há alguém que pode alterar este estado de coisas é,precisamente, Armando Guebuza. Até onde sei ele é o único que tem poderes para demitir este Procurador Geral da República e nomear outro com mais coragem para exercer correctamente as suas funções. E, pessoalmente, creio que a sua tarefa de proteger a lei deveria começar precisamente por aí.
E explicar claramente ao novo nomeado que, em questões de Justiça, não há que se guiar pelo cartão partidário que cada um leva no bolso. Ou pelas suas relações de família.
As antigas representações da Justiça mostram-nos uma mulher com os olhos tapados por uma venda.
Essa venda simboliza que o magistrado de Justiça não tem que avaliar com quem está a lidar. Tem que aplicar a Justiça, por igual, seja a quem for.
Só depois de a máquina da Justiça estar a funcionar, bem oleada, é que aquele tipo de respostas do Chefe de Estado passa a poder ser encarado de forma normal.
Há uma antiga expressão que diz: Com a verdade me engana.
E, lamento dizer, foi com essa sensação que fiquei ao ler esta entrevista de Armando Guebuza à BBC.
SAVANA - 15.12.2006

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