terça-feira, abril 10, 2007

Explosões

Fernando Lima(*)

Treze segundos foi quanto durou a implosão dos 28 andares de betão na marginal de Maputo. Três engenheiros moçambicanos, dois dos quais com formação na universidade pública da capital, mostraram sorrisos orelha a orelha nos vários canais televisivos que transmitiam o acontecimento.

Afinal estavam associados à implosão do maior edifício feita em África e à quarta estrutura de betão armado em termos mundiais. Em várias casas, com alguma descrição, a satisfação foi celebrada com ‘Moet et Chandon’.

Segundo os técnicos, tudo correu conforme o previsto e até o suspense das duas torres de escadas, que se precipitaram sobre o resto dos escombros, tinha sido planeado assim. Nove dias antes, os citadinos da capital viveram outras explosões. Horrorizados e impotentes assistiram ao deflagrar não planeado de milhares de engenhos militares obsoletos. Não houve engenheiros pirotécnicos a dar explicações. O único general a dar a cara foi empurrado para a frente das câmaras e confundiu mais do que explicou.

Quase trinta e dois anos depois da independência é este o país que temos. O que é capaz de entrar para o livro de recordes Guinness pelo melhor dos motivos e o que está exposto no horror das imagens do “You tube” com cogumelos de fogo e expressões áudio dos amadores que fizeram as filmagens e as mandaram para a internet. O que separa os engenheiros dos generais moçambicanos? O que separa a confiança e competência de uns e a manifesta incapacidade de outros?

Não são certamente códigos genéticos. O que fez com que um país que esteve em guerra até há 15 anos não tenha um escol militar que domine na perfeição as armas que lhes foram fornecidas pelos aliados de ocasião? O que aconteceu nos hospitais e nos caminhos de ferro de Moçambique desde 1975 e que possibilitou a emergência de uma escola de técnicos na tradição do que se vinha fazendo anteriormente? Porque será que nos quartéis não foi possível acompanhar a mesma dinâmica, mesmo quando se argumenta que o “movimento do 8 de Março de 1977” foi também para dar oxigénio aos recursos humanos da componente militar.

A favor dos caminhos-de-ferro argumenta-se que o que os moçambicanos fizeram foi continuar a gerir uma estrutura que já existia. No exército e na polícia o ocupante saiu. Os quartéis e as esquadras ficaram vazios. Foi preciso começar do zero. É argumento de peso mas não basta. Há opções políticas que se fizeram com juros elevados.

Samora, muitos anos depois, escalpelizou os recrutamentos para exército que deixava de fora os mais habilitados, os que mais tarde ou mais cedo acabariam por embaraçar os velhos comandantes herdados da luta armada. Mais tarde, os que sobraram das longas reuniões dos “comprometidos” no liceu Josina Machel permaneceram projecto adiado na formação de tropas especiais. Enquanto Angola investiu a sério em oficiais de academia, Moçambique mandava os seus generais para “cursos de refrescamento” em que a maior componente “de formação” era o curso de línguas.

Provavelmente esta estratégia manteve o exército que se dizia da aliança operário-camponesa e os “oficiais comunistas”, de que nalgum momento Samora teve genuíno orgulho. Provavelmente esta gestão militar permitiu a Moçambique passar ao lado das tentações golpistas que fervilham habitualmente nas cabeças dos generais africanos. Mas tudo tem um preço. Os resultados da implosão de 31 de Março e os estrondos fatídicos do dia 22 são um espelho das opções que se fizeram. Há muito tempo.

(*)Espinhos da Micaia

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