quinta-feira, outubro 02, 2008

Uma revolução não se trava com as mãos

tEm 1973/1974, estava eu a frequentar a 4a classe, na Missão de S. Pedro do Lúrio quando o governo colonial decidira expulsar os missionários católicos da ordem comboniana alegadamente por apoiarem à Frelimo e em particular à luta de libertação.

O arcebispo D. Manuel Vieira Pinto fora dos primeiros a ser expulso, algo não estranho, embora se dissesse que o motivo era a divulgação do documento “Imperativo de Consciência”. Diz-se que D. Manuel que se tornou uma figura carismática em Nampula, não apenas entre católicos, mas mesmo entre crentes doutras religiões, criara um ambiente hostil ao governo colonial, logo no seu primeiro desembarque àquela província nortenha, vindo de Portugal, sua terra natal. D. Manuel Vieira Pinto mostrou amor à África e aos africanos logo que desembarcou do avião. Não vou aos pormenores, mas verdade é que ele foi considerado “subversivo perigoso” pela PIDE/DGS.

Contudo, é um facto que D. Manuel Vieira Pinto é carismático em Nampula e quiçá na região Norte de Moçambique se isso não se estender em todo o país. Verdade é que D. Manuel Vieira Pinto ensinou-me/nos que não se deve apoiar nada cegamente mas consciente e justamente e tem que se ser capaz de dar nome ao boi. Se bem que D. Manuel Vieira Pinto criticou severamente ao governo colonial pelo sistema de colonização e opressão e apoiou moralmente a luta de libertação nacional, ele nunca fechou os olhos aos atropelos contra os direitos humanos cometidos pela Frelimo. Mesmo as atrocidades da Renamo, D. Manuel não as deixou passar sem denunciá-las. A carta pastoral Diálogo, Paz e Reconciliação é uma prova da coerência de D. Manuel Vieira Pinto.

Sobre D. Manuel Vieira Pinto, lembro-me daquela sua expulsão; lembro-me da expulsão dos missionários combonianos que o seguiam; lembro-me da vigia que o exército colonial fazia à nossa missão, a Missão de S. Pedro do Lúrio; lembro-me daquele helicópetro militar que aterrara numa tarde de domingo em sinal de que estavamos sempre sob vigia. Acima de tudo, lembro-me que nada metia medo aos missionários, pois as acções do governo colonial só catalisavam-lhes. A partir desta turbulência, os missionários expandiam livremente informações sobre a luta de libertação nacional e a Frelimo. Durante as férias, os seminaristas digam eles desseminavam as informações sobre a luta contra a opressão colonial. Na minha missão, lá no Lúrio, tinhamos o Calisto Linha como nossa lanterna.

Recordo-me ainda da festa que tivemos pelo fim do regime fascista, a 25 de Abril de 1974; recordo-me da independência nacional a 25 de Junho de 1975; recordo-me da assinatura do Acordo de Paz em Roma, a 4 de Outubro de 1992; recordo-me destas datas importantes ligadas a D. Manuel Vieira Pinto.

Para ser honesto, também recordo-me de um dia que D. Manuel Vieira Pinto criticou a mim pessoalmente. A sua crítica constituiu uma boa lição que até mais me vale hoje do que naquela altura. Creio que ele nem se lembra dessa crítica que um dia vou contá-la neste blog.

Nota: 1. acordei muito bem disposto e recordei-me do homem que me inspirou e me inspira. Hoje recordei-me do homem que pela sua coerência, ensinou-me que uma revolução nunca se trava com as mãos. 2. A foto foi retirada
daqui.

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