domingo, maio 03, 2009

Entrevista de Jeremias Langa (O País) com Edson da Luz (Azagaia)

Não podemos continuar calados

Tenho consciência disso, mas penso que a política, actualmente em Moçambique, serve muito mais a uma minoria que à maioria. Porquê deixar-me-ei levar por políticas que não me favorecem, ou que não favorecem a maioria dos moçambicanos?”

Por que é que assume, digamos, está forma peculiar de intervenção social, sendo um jovem de uma geração que toda a gente diz ser conformista, que não faz intervenção?

Eu acredito que isto tem muito a ver com o meu historial, que não é diferente do de outros jovens. Venho de uma família de classe média, até talvez, média/baixa. Passei por algumas situações não boas na vida e luto por dias melhores, e acho que isso é igual para a maioria dos jovens. Desde cedo, comecei a cultivar o gosto pela literatura, que me foi incutido, principalmente, pelo meu pai e por amigos. Entrei em contacto com a poesia de José Craveirinha. Acredito que seja a poesia de Craveirinha, acima de tudo, que lançou em mim esta semente de irreverência, se assim quiserem chamar. Apaixonei-me pela luta de libertação nacional nas suas várias frentes. Não só a luta armada, mas também a luta através da escrita, da poesia de Craveirinha e de textos de vários escritores moçambicanos.

Azagaia é uma lança curta que é usada como arma de arremesso por caçadores. Por que escolheu Azagaia como seu nome artístico?

Quando escolhi este nome, não sabia que me tornaria o Azagaia de hoje. Na altura, era mesmo por questões de cultura e também musicais. Quando comecei a cantar rap, havia um grupo que se chamava Dinastia Bantu, que era mesmo para contrastar um pouco esta realidade de os rappers moçambicanos se inspirarem, completamente, em rappers americanos e usar nomes ingleses. Nós procuramos nomes que têm algo a ver connosco para, depois, tentar começar a luta por não só sermos globalizados, mas, se calhar, como forma de aproveitar essa informação que nos chega, para criarmos uma coisa que tem a ver connosco moçambicanos. É por que surge o nome Azagaia. Coincidentemente, veio mesmo a calhar porque, actualmente, tenho esta postura directa de fazer crítica social e há quem diga política também. Daí, por um capricho do destino, a minha postura na música tem muito a ver com o nome que adoptei há quase dez ou quinze anos.

Numa altura em que há muita gente que se furta de expressar aquilo que pensa, que opta pelos discursos politicamente correctos, você envereda por um discurso contundente, digamos, directo. Tem consciência de que está a ser politicamente incorrecto?

Tenho consciência disso, mas penso que a política, actualmente em Moçambique, serve muito mais a uma minoria que à maioria. Porquê deixar-me-ei levar por políticas que não me favorecem, ou que não favorecem a maioria dos moçambicanos? É um pouco por aí que eu penso. Porquê devo estar ou ser politicamente correcto? O que ganho com isto? Tu és cidadão moçambicano e és politicamente correcto, mas continuas com fome, com dificuldades na educação, continuas a caminhar, na minha óptica, pelas políticas que são adoptadas agora um pouco para o abismo. É com muita insatisfação e dor que eu vejo, por exemplo, a questão da passagem semi-automática da 1a a 5a classe. Quando fiz essas classes não havia isso. Hoje, temos muitos alunos a transitar de classe, mas quando chegam à 5a classe é aquela vergonha. Não sabem, muitas vezes, ler nem escrever. E pergunto, como vou continuar a ser politicamente correcto perante esta situação, perante uma polícia muitas vezes inoperante, que até hoje carrega armas de fogo e diz que defende o povo dessa maneira? Eu acho que estamos a caminhar para um colapso. E as mudanças aparecem nestas alturas em que se chega ao limite. Há necessidade de mudar e não se muda com discursos politicamente correctos. Vamos deixar estes discursos para os políticos. Nós estamos a falar de realidades terra-a-terra, do que vivemos todos os dias.

É isto que o inspira nesse seu espírito itinerário a escrever essas letras com a contundência que escreve?

Acima de tudo. Estamos todos a convergir para a mesma coisa. Eu vejo maior irreverência agora na comunicação social. Os jornais tendem a abordar questões que, se calhar, há quatro ou cinco anos, não teriam essa coragem. Temos casos de jornalistas que já estão a ser processados pelo Governo. Isso é bom sinal. É sinal de que existe agitação, está-se a produzir mudanças. Costuma dizer-se que quando um professor entra para uma sala de aula, quer ter uma turma que interaja e não que simplesmente ouve e vai anotando, porque, neste último caso, quando o professor sai da sala, não sente que esteja a produzir conhecimentos. É algo necessário. Isso é que é ter uma sociedade democrática, que respeita as várias opiniões, acima de tudo. Não podemos continuar calados.

"Nunca tive paz desde o momento que decidi enveredar por esta linha"

Sobre a primeira música “Mentiras da Verdade”, foi um despertar da sociedade. Surpreendeu muita gente pelo conteúdo. Ninguémconhecia o Azagaia. Porquê “Mentiras da Verdade”?

Bem, “Mentiras da Verdade” surge numa altura em que eu começo a questionar muitas coisas que eram dadas como verdadeiras, mas que, ao mesmo tempo, existiam correntes segundo as quais aquela ditas verdades eram mentiras. Existe muita contradição e manipulação a nível dos órgãos de informação. Por exemplo, nós temos o jornal mais antigo, que é o jornal Notícias, cujo carácter, em termos de informação, é sempre politicamente correcto. Depois, começam a existir jornais que abordam a outra face dos mesmos factos. E aí surge uma confusão e questiona-se: afinal, qual é a verdade? É esta questão que nos leva à procura da verdade, que nos fará perceber algumas mentiras naquelas verdades que nos são ditas. Daí, o surgimento dessa expressão “As Mentiras da Verdade”.

É uma viagem de descoberta...

Exacto. Nós temos que viajar e questionar. A viagem começa com a morte do presidente Samora Machel. Ensinaram-me que morreu num acidente, mas que hoje se questiona. Existe um processo-crime para se averiguar se realmente se tratou de um acidente ou assassinato. Se formos a viajar pela história, poderemos encontrar várias coisas parecidas com estas. Encontraremos os casos da morte de Mondlane, do jornalista Carlos Cardoso, de Siba-Siba Macuácua, cujas verdades as pessoas querem saber. Se se não souber a verdade sobre estes casos, continuaremos intimidados. Nós queremos saber quem está por detrás disso, de modo a que não possamos continuar reféns de uma minoria. O que percebo é que estão a esconder os factos, a negar a história ao seu povo para continuarem no poder.

Acredita que há uma manipulação da nossa história?

Acredito.

O que o faz crer nisso?

Há várias fontes que se contradizem. Existe aquela história que não sei se se pode considerar institucionalizada, visto ser a que se aprende na escola e que diz as coisas de uma determinada maneira. Quando saímos um pouco, encontramos outros autores que defendem outras coisas. Eu falava de mortes, por exemplo, em torno da morte de Eduardo Mondlane, existe agora uma polémica. Afinal, Eduardo Mondlane morreu no seu escritório ou não? E se foi morto pela PIDE, houve ou não conivência de gente do partido? Qualquer um que faz investigação à volta da história de Moçambique encontra estas dúvidas. Onde há fumo há fogo. Alguma coisa não está bem explicada aqui e eu acho que é altura de se revelar isso às pessoas. Há quem defenda que talvez quando certas pessoas deixarem o mundo dos vivos é que iremos a saber. Se calhar seja a resposta mais sensata, mas nós como povo moçambicano temos direito de conhecer a nossa história, como ela é de verdade, com os seus podres ou não.

Já percebi que se inspira no nosso processo histórico, na nossa realidade do dia-a-dia, para escrever as suas letras. Como é que depois selecciona os temas das suas letras? Escreve sozinho? Conta com ajuda de alguém?

Escrever sozinho acho um pouco difícil. Tenho vários amigos com quem converso, dos quais, alguns me ajudam. sempre que tenho uma ideia consulto determinadas pessoas de modo a que me dêem certos contributos. A partir daí, tomo a decisão. Porque são temas bastante sensíveis, eu não posso ser completamente egoísta na produção.

Acha que as pessoas têm medo da mudança?

Acho, sim. Sinceramente, julgo que nós fomos ensinados a ter medo da mudança. Existe esta coisa toda de estarmos reféns ao mesmo partido durante mais de trinta anos, o que nos faz ficar tão habituados a esta realidade que não conseguimos espreitar e pensar como seria se não fosse assim.

É um efeito manipulador que existe. Por exemplo, o que se diz é se a Frelimo deixar de governar, a primeira coisa que o próximo partido vai fazer é roubar(...). Não quero dizer que sou contra a Frelimo ou coisa parecida. Eu acho que se estamos a falar de democracia tem de a ver rotação de poder. Um poder absoluto para um grupo de pessoas vai corrompê-las e nós é que vamos continuar reféns.

Diz, numa das suas músicas, que não tem medo de ser calado. Não tem costas quentes e nunca foi alvo de ameaças relacionadas com as suas músicas?

De uma forma geral, não. Simplesmente uma vez fui alvo daquilo que eu considero uma intimidação indirecta. Foi a primeira vez que senti que estava a começar uma coisa mais séria para me tentar calar. Considero aquilo um processo de intimidação. Foi a única vez que senti que estavam a tentar calar-me.

Foi ouvido pela Procuradoria. De que o acusavam?

Bem, fui acusado de tentativa de...já não me lembro do termo (...), mas depois de me ouvirem, decidiram emitir uma nota que dizia nada foi encontrado que me incriminasse. Fui ilibado. Foi uma fase difícil para mim, para a minha família e para as pessoas à minha volta.

Como se sentiu nesse momento, quando estava a ser acusado pela Procuradoria-Geral da República?

Bem, tentei manter-me calmo. A primeira coisa que eu procurei saber é se eu tinha cometido um crime. Antes de entrar em pânico, procurei ajuda da Liga dos Direitos Humanos. Fui acolhido de braços abertos. Já agora, mais uma vez, agradeço à mãe Alice, como costumo tratá-la, que me apoiou desde o primeiro minuto, pondo à disposição advogados e fazendo-me perceber que eu não tinha razão para temer. Que eu estava, simplesmente, a exercer um direito que tenho de me expressar. Fui aconselhado a não andar em sítios muito concorridos. há quem chegou a dizer-me que tinha de ter cuidado porque, por exemplo, podia morrer por envenenamento. Senti, de perto, um pouco a possibilidade de partir desta. Hoje em dia, se calhar, sou um pouco precavido. Embora saiba que se me quiserem despachar, não vai ser problema, sou um pouco precavido por causa disso.

Sentiu isso como uma atitude deliberada do poder político para o calar?

Sim, senti. Não posso prová-lo. Aliás, nós estamos muito à volta disso. Há muita coisa de que quase temos a certeza, mas que não podemos provar. Eu não posso provar. Mas sentir, senti.

Mas antes disso, sentiu alguma pressão por causa do trabalho que faz, da linha que escolheu?

Sempre. Eu nunca tive, digamos, paz desde o momento que decidi enveredar por esta linha. Nunca tive paz, porque sempre tive gente de vários sectores da sociedade a tentar aconselhar-me. Aquilo que eu chamo “povo” sempre deu-me força. Até aos dias de hoje, as pessoas (o povo) quando me encontram, sempre me encorajam. mas as pessoas que estão ligadas ao governo, ao partido que está no poder, ligadas directa ou indirectamente, simpatizantes ou algo parecido, sempre e de várias maneiras me aconselharam a parar.

Começou com “Mentiras da Verdade” e a seguir veio a música “Marcha”. No primeiro tema, parece fazer constatações. No segundo, parece já levar o seu esforço para mais adiante. Parece que passa, digamos, para a acção. um convite à insurgência. É esta lógica que está subjacente nas suas músicas? um apelo a uma acção permanente?

Sim. tenho estado a combater o adormecimento da sociedade. Quando digo “Ladroes fora, corruptos, assassinos fora”, quero mesmo dizer isso. Não quero dizer outra coisa. Eu acho que todos nós temos de ser polícias. Porque esta coisa de mudança não é simplesmente um processo onde o povo está contra a minoria que manda. Não é só isso que eu quero dizer. Se as pessoas ouvirem atentamente a versão que está no disco, que é mais longa, eu digo, mesmo entre nós. não é atirarmos as culpas. Por exemplo, a corrupção existe a nível da função pública e deve ser combatida. É certo que, eu penso, o exemplo deve vir de cima. Se temos casos de corrupção a serem abafados, por exemplo, se um ministro que está a ser acusado, está à beira de sair ileso desse processo todo, por que é que eu cidadão, que ganho muito pouco, não vou usar essa via ilegal?

Estão a faltar modelos ainda?

Sim, estão a faltar modelos. A nossa sociedade carece muito de modelos. Eu acho que isto é, se calhar, uma coisa boa que podíamos ir buscar no sistema anterior - o socialismo. Acho que é algo que se impunha. Os governantes, para além de governar, devem ser modelos. Isso é muito importante. Mas, atenção, não estou aqui a querer dizer que a partir de agora, se um ministro é corrupto, eu tenho de ser também corrupto. Eu estou a querer dizer que é importante que se analise esse processo todo antes de se tirar conclusões.

A sua música parece estar em contra-mão com o discurso político do momento. Vejo o exemplo na música “Combatentes da fortuna”. Fala de combater a riqueza absoluta antes da pobreza absoluta, porquê?

Só para corrigir, isso pertence ao tema “A Marcha” e, realmente, falo disso. Se calhar, fosse bom exercício trocar um pouco os papéis. As pessoas que detêm o poder passassem um pouco para o lado de cá (dos sem poder) e tentarem perceber o que é que o cidadão sente, quando acorda de manhã: falta de pão, graves problemas de transporte. Irem para a avenida Guerra Popular, local por onde sempre passo. É uma vergonha ver o governo moçambicano a desresponsabilizar-se e entregar os transportes aos privados. Se as pessoas que estão no poder passassem um pouco para este nosso lado e, depois, olhassem para as regalias todas que têm, iriam perceber a raiva, a revolta que o povo sente. Se calhar, o povo moçambicano é pacífico ou coisa parecida. Sinceramente, existe uma série de regalias que os homens do governo têm e que acho serem completamente absurdas, a partir de tais carros protocolares de que tanto falam, passando pelo facto de terem tudo pago, até aos salários astronómicos que os nossos deputados recebem, enquanto as pessoas que realmente trabalham todos os dias ganham muito pouco. Sinceramente, por que é que se está a alocar uma boa parte daquilo que é o orçamento do estado para sectores como a defesa, a guarda do presidente? Ouvir o que vai ser o orçamento do estado e percebe-se que se está a deixar reduzir o orçamento em áreas-chave, como a saúde. Esta distribuição de riqueza está errada...

Sendo um artista de intervenção social permanente, acha que o que escreve e canta corresponde, de facto, ao sentimento de parte significativa dos moçambicanos? Acha que os moçambicanos se revêem nas letras que o Azagaia escreve?

Bem, quando escrevo, principalmente falo daquilo que eu sinto e sou. Como um ser que está integrado numa sociedade, onde existem outras pessoas iguais a mim. São essas pessoas que sentem o mesmo que eu sinto. Pelas respostas que eu tenho das pessoas que ouvem a minha música, penso que sim.

Ou o Azagaia funciona como um escape para aquelas pessoas que não têm coragem de expressar o que têm para dizer...

Penso que sim, embora ache que há responsabilidades que deveriam ser partilhadas. Devia haver mais gente a fazer o mesmo, porque um homem ou uma pessoa só não é capaz.

Azagaia notabiliza-se por dizer tudo quanto pensa. Vou buscar uma frase do filosofo Aristóteles que diz “o homem prudente não diz tudo quanto pensa, mas pensa tudo quanto diz”. Não acha que, de alguma maneira, em alguns momentos, o Azagaia é imprudente?

Eu não digo tudo quanto penso.

Acha que há muita gente que gostaria de dizer o que Azagaia diz, mas não diz? Um escritor congolês disse, um dia, que “nenhuma sociedade progride se não fizer a sua autocrítica e se os pensadores críticos não se puserem contra a corrente dos bem pensantes”. O Azagaia revê-se nessa frase certamente...

Sim, acima de tudo. ouvi pela primeira vez esta frase com o sociólogo Carlos Serra. Agora, já estou a ver de onde é que vem. Se nós estamos na luta para acabar com a violência doméstica, o que é que estamos a fazer concretamente? Estamos a aceitar que existe violência, estamos a criticar esta violência, estamos a arranjar meios legais para penalizar as pessoas que praticam esta violência? É este processo que existe nos pequenos problemas sociais. É o que deve acontecer a nível global. Não é algo de outro mundo. Esta coisa de autocrítica é fundamental...

Tendo esse seu carácter politicamente incorrecto nas suas líricas, qual é a sua relação com os media públicos? Como sente que é recebida a sua mensagem? Passam normalmente as suas músicas ou há tendência de evita-las? Como é que vê isso?

Se formos a olhar para a TVM, que é o canal público que o estado financia, facilmente perceberemos que não vai querer ir contra aquilo que são as posições políticas do governo do dia. E, quando censuram a minha música, quando não passam a minha música, simplesmente estão a confirmar isso.

Sente que existe essa censura na sua música?

Existe claramente. As minhas músicas, os meus vídeos, basicamente não passam na TVM (...). Caso similar verifica-se com a Rádio Moçambique, que também censura a minha música. Raras vezes passa ou não a passa tanto quanto as outras músicas. Já soube de ordens internas para que as minhas músicas não passassem. E depois as ordens internas são realmente muito boas para cumprir com os seus objectivos.

Que ideia é que o músico Azagaia tem do nosso país fora aquilo que ouvimos nas suas músicas?

Eu penso que Moçambique é um país jovem. Tem gente com vontade de trabalhar, o que é propício para o desenvolvimento. Estamos cada vez mais a descobrir e a potenciar os nossos recursos naturais. Temos uma juventude que pode ser acordada. Não há nada que se possa dizer isto é impossível fazer em Moçambique. Acho que é um país próspero.

Mas há quem ouve as suas músicas e fica com a percepção de que está tudo mal. Será isso?

Não é bem isto, que esteja tudo mal. Mas, se calhar, eu seja o músico que aponta os problemas. E quando aponto os problemas é que quero soluções. Não que queira dizer que esteja tudo mal. É um pouco por aí. Cada artista tem o seu carácter.

O Azagaia é um militante político na forma como faz a música. Uma das suas músicas diz que pertence ao partido da verdade e que não tem assento no parlamento.

A política não é feita só no parlamento. A política é feita todos os dias. Um chefe de família tem uma política dentro de casa. Então eu acho que todos somos um pouco políticos. Se calhar, quando me chamam artista político na tentativa de me catalogarem e me afastar, pôr-me num grupo (...). Existe uma tendência das pessoas não gostarem de política. Dizem que a política é chata. Mas isto é errado. Se calhar, a culpa não seja muito das pessoas. Se a política fosse explicada de uma forma mais acessível para as pessoas e se essas pessoas percebessem como ela interfere nas suas vidas, podiam entrar mais para isto. Dizer que eu sou um militante político penso que sou como o somos todos nós.

Tem simpatias por algum partido especificamente?

Tenho simpatia, sim, por um partido político. É o MDM que foi recentemente criado. Sou simpatizante do partido.

O que é que o faz acreditar no MDM?

Antes de eu acreditar no MDM, sempre tive a convicção de que a solução dos problemas que nós temos agora é existir uma terceira, uma quarta ou quinta forças. Não podíamos continuar nesta coisa de Frelimo-Renamo, porque é um jogo muito fechado. Há muita gente que diz, por exemplo, existe dinheiro da Frelimo a ir para Renamo. E, por causa disso, há muita confusão. Há tentativa de compra deste e daquele. Isto é muito fácil quando temos um jogo entre duas forças políticas. Mas quando o jogo começa a passar para três, quatro, esta possibilidade começa a diminuir. E, se calhar, estaremos cada vez mais perto de vivermos um exercício democrático muito mais próximo daquilo que é a definição. Antes de eu apoiar ou ser simpatizante da existência de um partido como o MDM, sou simpatizante desta ideia de que não podemos continuar nesta linha de bipolarização política.

O que acha que faz de Daviz Simango um líder diferente dos da Frelimo e da Renamo?

Penso que, acima de tudo, são as obras. Já fui várias vezes à Beira e pelo que posso ouvir dos beirenses é que Daviz Simango, no seu primeiro mandato, fez alguma coisa de positivo pela Beira. E não fazia sentido, na minha opinião, tira-lo de lá. Ou que se não lhe desse a chance de concorrer. Foi o que acabou acontecendo. Então, esta tendência que eu sinto nele deve-se à sua apetência de mostrar trabalho, ao invés de discursos. Acho que é isto o que está a faltar nos nossos líderes. O que também dizer, que também afirmei na Beira, é que agora as pessoas dizem que eu sou frelimista. Não importa se a Frelimo faz mal ou se faz bem. Eu sou Frelimista até à morte. Eu sou Renamista. Não importa se faz bem ou mal. Eu sou renamista. Isto é o problema. Então, se eu actualmente sou simpatizante desta ideia da criação deste movimento, MDM, porque acho que sim, temos que dar oportunidade às outras pessoas de trabalhar e mostrar que podem fazer. E, enquanto continuar, na minha opinião, e se aparecer uma opção válida, eu vou apoiar. Quando deixarem de aparecer eu também não vou apoiar. É isto o que é importante que aconteça.

Nota-se, nas suas músicas, algum desencanto com os políticos libertadores de África, no caso particular, que nos seguraram a independência. Numa das suas músicas, até diz “operários, camponeses na trilha da revolução. Eles eram os nossos deuses a quem fazíamos a adoração. Donos dos nossos interesses, símbolos de idolatração. Vocês não são libertadores. São combatentes da fortuna e a liberdade existirá até onde for essa fortuna”. O que quer dizer?

Como disse, combatentes da fortuna, é possível que seja um termo a ser introduzido, porque hoje em dia nós temos gente que tem riqueza acima dos seus rendimentos.

É mais uma vez uma antítese aos combatentes da pobreza?

É um pouco disso também. Mas veja, quando olharmos para África, verificamos que os partidos que estão no poder são, basicamente, aqueles que foram libertadores. Foram os libertadores, fizeram a guerra para libertar o povo, a terra. E este espírito de libertação morreu, na minha opinião. Hoje em dia, temos estes mesmos combatentes ou antigos combatentes, na minha opinião, a não combaterem pelo povo, mas a combaterem pela fortuna. A combaterem por mais bens, por mais regalias.

O interesse individual sobrepôs-se à causa colectiva...

Sim, acima de tudo. Se calhar, fazer um pouco minhas as palavras de Mia Couto que disse aqui, muitas vezes, que aquilo que combatemos é aquilo que actualmente estamos a apoiar. Se ontem nós tínhamos José Craveirinha a escrever porque defendia que o povo podia ser libertado, hoje, nós temos órgãos de informação a censurar músicos, escritores que dizem o que pensam, que acham que, de alguma maneira, devemo-nos libertar de alguns vícios. Ontem, apoiavam um determinado comportamento e hoje a condená-lo (o mesmo comportamento). É por isso que eu digo combatentes da fortuna. Quando nós começámos, estávamos todos juntos e éramos como camponeses, operários. Todos mobilizados para libertar a terra. Hoje, há essa separação. Existe um grupo que cada vez mais se distancia do povo que disse que amava. Hoje, passam por nós dentro dos seus Mercedes e com os vidros fumados. E nem sequer olham para nós.

Fonte: O País online

1 comentário:

Anónimo disse...

A sociedade mocambicana precisa de mais Azagaias. Isso de se acomodar e fazer de conta que esta tudo bem no nosso pais ja esta a ultrapassar os limites. Precisamos de nos engajar, denunciar o que esta errado e nao ter receio de sofrer represalias. Maria Helena