sábado, agosto 22, 2009

Nsanje: choque de interesses entre Moçambique e Malawi?

Por Bayano Valy

Nsange, no distrito do baixo Chire no Malawi, é uma cidade em franco desenvolvimento. A imprensa malawiana reporta que a transformação de Nsanje, que até há pouco era uma vila poeirenta sem esperança, numa cidade comercial e parte integrante do projecto de desenvolvimento infra-estrutural do presidente Bingu wa Mutharika.
Aliás, o desenvolvimento infra-estrutural é um dos objectivos preconizados pela SADC no seu Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional (RISDP), e recomenda aos países regionais a edificarem projectos de desenvolvimento infra-estrutural integrado.
O Malawi é um país do hinterland cujo comércio com o mundo depende muito da infra-estrutura rodoviária e portuária de Moçambique. Até ao momento o Malawi utiliza os portos da Beira e Nacala (e também os portos sul-africanos) para exportar e importar os seus produtos – mas as distâncias podem reduzir em 560 quilómetros para o porto da Beira e 660 quilómetros para o de Nacala pela opção Nsange-Chinde, visto distarem cerca de 800 quilómetrose 900 quilómetros de Blantyre, respectivamente.
O Malawi considera que os custos de cabotagem e de transportes encarecem os produtos comercializados dentro e para fora das suas fronteiras em 55%.
Daí que tenha se decidido em construir um porto fluvial com uma profundidade de oito metros no rio Chire, um dos tributários do rio Zambeze, justamente em Nsanje. A imprensa local escreve que as obras, que se espera terminem em Julho de 2010, estão a cargo do empreiteiro Mota-Engil que recentemente concluiu as obras da ponte de Unidade sobre o rio Zambeze. O projecto está avaliado em 3 biliões de kwachas (USD20.5 milhões). Também está em construção uma estrada alcatroada entre a capital comercial Blantyre e o porto de Nsange.

Um porto libertador

A estratégia dos malawianos é de navegar o Zambeze para o transporte das suas mercadorias de Nsanje ao Chinde, na foz do rio Zambeze, e vice-versa, uma distância de apenas 240 quilómetros. Acreditam que isso poderá baixar significativamente os custos de transacção dos produtos, ou seja menos 25 por cento - wa Mutharika esteve semana passada em Maputo para frisar esse ponto.
Ademais, os governos moçambicano e malawiano, conjuntamente com a Zâmbia, assinaram no último sábado um Memorando de Entendimento para a criação do Projecto Fluvial Zambeze-Chire, que visa o transporte de bens e pessoas, no âmbito das suas obrigações internacionais e regionais, em particular ao abrigo dos protocolos sobre os Transportes, Comunicações e Meteorologia e sobre o Comércio da SADC, e ainda alguns acordos sobre os cursos de águas partilhadas. O Memorando em que tomaram parte o ministro dos Transportes e Comunicações de Moçambique Paulo Zucula, o ministro dos Tranportes e Infra-estruturas Públicas do Malawi, Khumbo Kachale, o ministro das Comunicações e Transportes da Zâmbia, Geoffrey Lungwangwa, foi rubricado também pelo representante da ZARTCO, Clive Dutlow e por representantes do secretariado da SADC e da COMESA presentes no Hotel VIP. O estudo será formalmente financiado pelo consórcio mas fontes credíveis asseguraram ao SAVANA que um montante de aproximadamente USD 500.000,00 poderá ser canalizado através da COMESA. Wa Mutarika foi no passado o secretário-geral desta organização.
Não obstante o memorando de entendimento, há sinais de que os dois países querem coisas diferentes. Fontes do SAVANA afirmam que da parte moçambicana faz mais sentido proteger os investimentos já realizados na linha do Sena, corredor e porto da Beira.
Conforme o SAVANA reportou na edição passada, a táctica do governo moçambicano foi a de que nenhuma decisão poder ser tomada antes que sejam realizados os estudos de impactos que deverão arrancar em breve, a cargo do consórcio ZARTCO. Funcionários moçambicanos têm expressado em privado dúvidas sobre a capacidade técnica do consórcio. Também têm expressado receios sobre o tipo de cargas a manusear e a eventualidade de dragagens em caso de redução dos caudais. No século passado o rio Zambeze foi sulcado por barcos a vapor de fundo chato entre o Chinde e Tete. Os técnicos defensores da opção fluvial, argumentam que barcaças modernas autopropulsionadas podem navegar em caudais reduzidos e asseguram elas próprias a manutenção dos canais de navegabilidade. Actualmente o açúcar de Marromeu é escoado para a Beira por via fluvial e a companhia de prospecção de carvão Riversdale estuda a possibilidade de escoar o carvão de Tete também por via fluvial.

Moçambique sob pressão

Segundo revelou o mediaFAX esta semana, no mês de Maio uma barcaça com motor tentou fazer o percurso entre o Chinde e Nsange mas foi interceptada pelas autoridades moçambicanas na travessia de batelão de Chipata no rio Chire. Segundo a publicação diária, o caso não teve repercussões políticas mas a sua chegada a Nsange deveria coincidir com a presença ali de Bingu wa Mutarika, então ainda candidato à reeleição presidencial.
De alguma forma, os desentendimentos sobre a exploração da via fluvial parecem penalizar os diplomatas malawianos que pelos resultados alcançados por Wa Mutharika dão a entender que não fizeram o seu “trabalho de casa”. O melhor cenário seria o presidente malawiano ter vindo a Maputo apenas para assinar o acordo para o uso do transporte fluvial, e não para talvez anunciar o seu intento.
Todavia, o memorando ora assinado e a que o SAVANA teve acesso, contém uma condicional; ele prevê que caso uma das partes não se sentir, por qualquer motivo, interessado em continuar com o projecto deve indicar a sua desistência com três meses de antecedência. Isso abre a possibilidade aos moçambicanos de dizer aos malawianos que não estão interessados em prosseguir.
Uma outra hipótese colocada para a fraca demonstração de interesse por parte dos moçambicanos se circunscreve a outros interesses, nomeadamente a construção a montante da entrada do Chire no Zambeze da Barragem de M’panda Nkuwa.
Uma das constatações da organização Justiça Ambiental (JA) foi de que a construção da barragem influiria sobre o caudal do rio. A albufeira M’panda Nkuwa vai certamente conservar o que a Barragem de Cahora Bassa libertar, baixando ainda mais o caudal do rio - isso teria alguma influência sobre a navegabilidade do próprio rio.
Portanto, o que se pode prever nos próximos tempos é uma movimentação nos corredores da SADC para se convencer Moçambique a autorizar o projecto. E a pressão já começou, conforme revela a forma como foi assinado o memorando, longe dos holofotes das câmaras de televisão.

SAVANA – 21.08.2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Pode ser que o interesse do Malawi seja construir o tal porto da Nsange. Isso pode ter um efeito positivo no crescimento economico do Malawi.

Quais sao os interreses de Mocambique? Deitar fora todo o investimento que fez em Nacala, com apoio ate do Malawi? Deitar fora o investimento que fez na Beira?

Penso que Mocambique tem o direito de defender os seus proprios interesses que sao, tambem os interesses dos operarios ferro-portuarios de Nacala e da Beira.