segunda-feira, maio 31, 2010

Virar para onde, quando podemos mudar?


Por Lázaro Mabunda
Fartei-me de “gerar” uma “viragem” na minha mente, enganando-a que ela é que era pobre, pelo que havia uma necessidade inevitável de combater, fervorosamente, a pobreza que nela (mente) residia como o primeiro passo para erradicá-la do país.
Virei para todos os lados à procura de uma geração, no mundo, que tivesse combatido a pobreza pelo discurso e gritos aos quatro ventos de que “somos uma geração de virar a pobreza”. Não encontrei nenhuma. Aliás, encontrei a geração dos “Tigres Asiáticos” que conseguiu prosperidade por projectos de desenvolvimento devidamente concebidos, sem ter nunca martelado as mentes dos seus compatriotas por discursos de viragens políticos.
Na verdade, senti que por tanto virar à procura de uma geração, peguei vertigens e acabei perdendo, por alguns segundos, o norte e a direcção que pretendia seguir no combate à pobreza.
Concluí que nós nos perdemos muito nos discursos do que nos planos concretos de combate à pobreza. A pobreza não será combatida por uma geração que vira ou não vira, mas por gerações que, mais do que reproduzir discursos políticos, desenham projectos concretos de geração de riqueza ou produzem ideias inovadoras e consistentes que irão, num futuro próximo, ser transformadas em planos concretos de geração de riquezas.

Não será o grito de que “sou ou somos da geração de viragem” que irá amedrontar a pobreza do nosso país. Muito pelo contrário, isso só nos vai entreter e tornando-nos jovens intelectualmente redondos e quadros.
O que me impressiona nesta juventude – minha geração – é a capacidade extraordinária de confundir um simples discurso político de um projecto político-social, a capacidade fenomenal de fazer acreditar as pessoas que um gato nem sempre é gato, em alguns momento é rato e vice-versa. Esta geração é tão capaz, como dizia Miguel Sousa Taveres, de produzir um Roosevelt - que impõe ao povo americano a obrigação histórica de salvar a Europa do nazismo - como são capazes de produzir um George W. Bush, que impõe ao país uma guerra sem sentido, apenas destinada a servir a sua vaidade de se proclamar “um Presidente de guerra”. Tanto é capaz de produzir “um Bill Clinton, que restabeleceu a economia e a imagem externa dos EUA, como uma Sarah Palin, talvez futura presidente, cuja absoluta ignorância, estupidez natural e incompetência são mais perigosas do que 10 Bin Ladens à solta”.
Somos, infelizmente, uma camada social capaz de mobilizar cegamente uma nação inteira, num instante, a aderir um discurso político sem que antes tenhamos analisado a essência e o alcance do mesmo.
Antes de pegarmos em tambores e sairmos às ruas pregar um falso evangelho, temos uma obrigação e dever moral e patriótico de filtrar as impurezas que os discursos políticos contêm, capazes de envenenar uma geração toda. Há uma obrigação humana de distinguir futilidades do que é importante, utilidade de inutilidade, o indispensável do dispensável e, acima de tudo, saber dizer que “geração de viragem” é diferente de “Geração de Mudanças”.
Entre o virar e o mudar, prefiro não virar.
Temos de procurar saber se o discurso de andamos a reproduzir, a altos sons, revitaliza as fábricas encerradas ao longo dos anos, por quebra de vendas; se cria emprego ou se nos faz respirar ares de alívio do défice público e, sobretudo, se nos coloca numa situação de independência económica em relação ao exterior. O custo de vida em Moçambique disparou vertiginosamente, porque o dólar e o rand escasseiam no mercado, o que, consequentemente, origina uma procura desenfreada dessas divisas, criando, assim, condições para a inflação de produtos, uma vez sermos um país eternamente consumista do produtor. Disto, nenhuma geração fala e nenhum político reproduz. Mas é isso que devemos procurar discutir e encontrar soluções.
Nós temos de saber que somos aquilo que somos, e seremos no futuro, mais por aquilo que fazemos e por aquilo que nos acontece e nos acontecerá.
Um homem, dizia um escrito português, é quem é, mais o seu bom nome, a sua honra, os princípios que traiu ou não traiu. E vive com isso e é julgado por isso pelos outros. E não tenho nenhuma dúvida que esta geração será julgada por viragens desnecessárias do que pela mudança de atitude.
Não estou a defender que os jovens não devam ser reprodutores de discursos políticos, mas que antes devem analisar se esse discurso tem princípio, meio e fim ou não.
Questiono-me sempre sobre o pressuposto – pelo menos um – que define a geração de viragem. Pelo menos o objecto da Geração 25 de Setembro era a Libertação da Nação e dos Homens, razão pela qual pegou em armas e libertou o país e os seus respectivos homens. A Geração 8 de Março tinha como missão: assegurar a máquina administrativa do país, e assim abandonou – de forma forçada, convenhamos dizer – os seus projectos para abraçar sectores-chave após a fuga de portugueses.
E a geração de viragem? É uma geração parida de um simples discurso presidencial. Uma geração que foi nascida sem nunca ter sido concebida. Uma geração que não seguiu as regras da natureza – nascimento e crescimento natural de uma ideia, nem de qualquer que seja ser vivo.
Se o objecto da geração de viragem é a pobreza e o seu combate, então, deveria ter antes desenhado um projecto sobre como essa geração irá combater a pobreza. Para mim, para ser uma geração precisa de abandonar os seus postos de trabalhos, as suas casas, os seus sonhos para ir trabalhar nos campos agrícolas, na reabilitação e construção de infra-estruturas básicas como vias de acessos, escolas, hospitais. Precisa igualmente de largar os seus projectos pessoais para trabalhar como voluntária em projectos que irão salvar milhares de moçambicanos, além de alavancar o desenvolvimento do país. Hoje, temos milhares de crianças sem acesso à escola por falta de infra-estruturas e professores; temos milhares de mulheres, homens e crianças que morrem por falta do hospitais e de médicos, enfermeiros e serventes...Se esta geração cumprir o que acima levantei, há condições para que de facto seja uma geração.
Pelo menos, eu não quero virar. O que quero, da juventude, muitos sabem: mudança. Acho que mais do que virarmos, o que nos pode criar problemas, temos de mudar. Mudar no sentido de que devemos deixar de ser reprodutores para sermos produtores, reactivos para sermos pro-activos e devemos deixar de ser passivos para sermos activos.
Virar para mim tem, em algum momento, uma conotação negativa. Vira o que não está em condições. Por outro lado, vira-se um objecto e não algo abstracto. Virar pobreza é o mesmo que virar o ar.

Fonte: O País - 31.05.2010

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