segunda-feira, setembro 06, 2010

Lições de um e dois de Setembro de 2010

Por Olívia Massango

A descarga emocional deu-se porque o homem recuperou o seu instinto natural, porque a sociedade não o ajuda a realizar-se. E aqui reside o perigo, porque, com um comportamento natural, este pode dissolver a sociedade. E esta é uma grande lição Sr. Presidente.
“Contra a inimizade do povo um príncipe jamais pode estar garantido”, Maquiavel
“Se houver demasiadas pessoas pobres e apenas algumas pessoas ricas, não podemos acabar com os ladrões, não podemos acabar com os roubos. A maneira de acabar com isso é com uma sociedade onde toda a gente tenha o suficiente para satisfazer as suas necessidades e ninguém acumule desnecessariamente só por ganância”, Osho
Não há dúvidas que os dois primeiros dias do mês de Setembro pintaram de preto umas boas páginas da história da cidade e província de Maputo. Mas pior é a marca que fica na memória dos que testemunharam a ira de um povo saturado do desamparo, ou simplesmente da orfandade, como desiludidamente descreveu o seu sentimento o escritor moçambicano Mia Couto.
O grito começou surdo, numa espécie de declaração de intenções, com recurso a mensagens. O anúncio já era do conhecimento geral. A um de Setembro entrariam em vigor as novas tarifas de água e luz, e como se não bastasse, para completar o trio de ataque ao bolso do cidadão, anunciou-se também o agravamento do preço do pão, em um metical, para o dia seis do mesmo mês. Ainda assim, isto não era o pior, porque o inferno mesmo já era o pão duro que a cada dia se lhes negava aproximar à mesa. Seis de Setembro era o dia do aumento formal, porque, na prática, os aumentos já se tinham verificado, deixando a data apenas com o estatuto de oficial.
Além do pão, o arroz, o feijão, o amendoim, a batata, o óleo, o leite, entre outros produtos de primeira necessidade, há mais de um mês que não se juntavam para dar ao povo o mínimo de calorias diárias exigidas para o consumo humano. Isto sem falar da gestão sofrida de toda a economia doméstica, que a cada dia vivia o drama da meia manta para cobrir uma família. E a razão parece ser simples: inflação, conjuntura internacional, fraca produtividade, etc., tudo o que no vocabulário do povo se traduz em fome e sofrimento. Porque estes não precisam de muita escola para saber dizer o que está bem e mal nas suas vidas, diferentemente dos nossos pseudo-governantes que, mesmo com muita escola, ainda precisam de muita assessoria para dirigir. O que prova que na época do liceu ou não aprenderam nada, ou esquecerem tudo. Mas que o estouro do povo sirva de lição e faça ressuscitar todas as letras mortas.
O problema surge à partida. É que os nossos políticos vivem da política e não para a política. O poder em sua posse é a pior droga que se lhes atribui, com o agravante de ser em doses altas e, por vezes, por longos períodos. Assimilam apenas a manha da “enganação”, através de discursos futuristas, mas sem sustentação prática.
Recuemos. A génese deste desabafo social não está na alta dos preços em si. está na fraca produtividade do país, associada à fraqueza das políticas, que também pecam por serem desarticuladas, na maioria das vezes. Ao ministro da Agricultura, a crítica cai-lhe que nem uma luva. Para este, é fácil apregoar que o nosso governo drena 8% do Orçamento do Estado ao sector que dirige, quando as contas provam que ainda estamos a menos de 6%. O populoso discurso da “Revolução Verde” não só perdeu força teórica, como também está sendo sepultado no atravessar de cada dia.
Preços altos, especialmente de produtos de primeira necessidade, não deviam ser o problema de um país com mais de 35 milhões de hectares de terra arável e com elevado potencial agro-ecológico.
Mas a culpa maior não está com os pupilos, está com o chefe máximo, o Presidente da República, que se esquece que o poder que tem deriva de um contrato social com a sociedade, que legitima o poder que exibe como ninguém. Está nele, que provou estar despreparado ou destreinado para lidar com adversidades como uma revolta popular. A aparente impotência governativa revelou-se não apenas na sua aparição tardia aquando das manifestações, mas também na frieza com que se dirigiu ao povo. Não houve sintonia Sr. presidente.
Não houve sentimento nas letras lidas, senão um amontoado de palavras gastas. O momento pedia novidade, improviso, ainda que previamente projectado, mas que transmitisse alguma proximidade com a sociedade e a ideia de que são palavras saídas do coração. Não necessariamente para dizer que os preços vão baixar por via de subsídio, porque está claro que essa não é a solução. Mas pelo menos para dizer que estamos juntos neste sofrimento e, como prova disso, anunciar uma medida sensata, como, por exemplo, o corte em algumas despesas do Estado para drenar o dinheiro à construção de bases para uma economia mais produtiva. Faltou a assumir o compromisso de, a médio prazo, fazer acontecer os planos de “barbas brancas” há muito elaborados para aumentar a produção. Faltou o Yes We Can de Barack Obama, ou melhor, faltou o renovar da esperança. Faltou um novo pacto, isto é, faltou lançar sementes que fizessem brotar uma nova relação com o povo.
Os preços não têm culpa Sr. Presidente. Para serem altos ou baixos, dependem da oferta. Enquanto não produzirmos, seremos sempre vítimas dos preços altos. Mas, para o povo, não basta dizer isso. É preciso resgatar a simplicidade e fazer uma comunicação individual, para atingir o colectivo. Povo é uma expressão simbólica de um conjunto de seres humanos diferentes, apesar de se lhes poderem encontrar semelhanças. Com uma mensagem humana e sincera, cada cidadão ficava atingido e encorajado a colocar a mão na massa. O problema do discurso político preguiçoso é que ele sacrifica o indivíduo em nome do povo, quando este é que é o valor mais alto do povo. É pensando no indivíduo que se devem traçar políticas para o povo, porque a satisfação é individual.
A descarga emocional deu-se porque o homem recuperou o seu instinto natural, porque a sociedade não o ajuda a realizar-se. E aqui reside o perigo, porque, com um comportamento natural, este pode dissolver a sociedade. E esta é uma grande lição Sr. Presidente.
Não se brinca com a ira de um povo. No dia 5 de Fevereiro de 2008, fez-se a primeira demonstração de força popular. Foi o primeiro sismo social - como o classificou o sociólogo moçambicano Carlos Serra - que o governo preferiu não enfrentar, acobardando-se nos subsídios às gasolineiras, para evitar o agravamento do transporte semi-colectivo. Péssima saída, tanto para o governo, como para o povo. A reedição desta data foi muito mais intensa e, para ser genuíno, o governo precisa de mestria na acção e não apenas inteligência.
Se no fim do seu primeiro mandato e no princípio do segundo, Armando Guebuza viveu experiências que nenhum outro presidente moçambicano experimentou, que estas sejam uma grande lição para ele e seus sucessores, porque o povo descobriu que o grande poder é o seu. Assim sendo, para quem aspira o poder, convém lembrar sempre a célebre frase de Maquiavel: “Um homem prudente deve seguir sempre as sendas percorridas pelos que se tornaram grandes, e imitar aqueles que foram excelentes”.

Fonte: O País online - 06.09.2010

4 comentários:

Abdul Karim disse...

Selecionador,

Seleccao femenina tem vagas, so tem 11 inicial.

Olivia ? podemos selecionar ? pro banco de suplentes ?

V. Dias disse...

Massango, Selecionada.

Amigo Karim,

Estou febril hoje. Preciso de repouso. Amanhã regresso a carga.

Zicomo

Abdul Karim disse...

Melhoras para ti, Mano.

Descansa que eu cubro -te hoje aqui, na boa.

V. Dias disse...

Ok, Zicomo.

Veja se a selecção não perde pontos.

Até 'manguana' (amanhã).