quarta-feira, setembro 29, 2010

A propósito da revisão da Constituição da República

Por João Baptista André Castande

O programa “DEBATE DA NAÇÃO” da estação televisiva STV, transmitido em diferido na noite do dia 21-9-2010, teve como tema o processo de revisão do actual texto constitucional, que os deputados da bancada do partido Frelimo pretendem submeter à Assembleia da República. Diga-se em abono da verdade que o debate foi muito animado, mas pecou por se ter baseado em simples especulações, visto que até então não eram conhecidas, pelo menos publicamente, as razões de fundo da almejada revisão.
Entre políticos, académicos e demais cidadãos da sociedade civil que participaram no debate do tema em apreço, foi notório o nervosismo provocado não só pela falta de indicação das matérias a rever, mas sobretudo pela desconfiança das verdadeiras intenções que estão na mente dos deputados da força partidária proponente da revisão.

De permeio, não faltaram ameaças abertas ou veladas contra a iniciativa, alegando outros vários motivos que entretanto não interessa mencionar neste espaço.
Porém, no presente artigo de opinião pretendo debruçar-me numa óptica quiçá não abordada em nenhuma das opiniões de concidadãos que até agora tive a ocasião de ler sobre a matéria.
Para o fim em vista, começo por recordar aos caríssimos compatriotas que o artigo 293 da Constituição da República de Moçambique (CRM) reza que “a Constituição só pode ser revista cinco anos depois da entrada em vigor da última lei de revisão, salvo deliberação de assunpção de poderes extraordinários de revisão, aprovada por maioria de três quartos dos deputados da Assembleia da República”, sendo o sublinhado da minha responsabilidade.
Ora, a questão que na minha opinião se coloca neste preciso momento é de estarmos perante um texto constitucional que não resultou de uma “lei de revisão” que, em condições normais, serviria de marco para a contagem dos cinco anos estabelecidos na primeira parte do supra transcrito artigo 293.
Neste contexto, e por constituir caso inédito no nosso País, como mais adiante veremos, julgo que temos em nossa frente dois processos distintos, a saber:
a) O primeiro processo, relativo a procedimentos preparatórios da tomada da chamada “deliberação de assunpção de poderes extraordinários de revisão”, a ser aprovada por uma maioria de três quartos dos deputados da Assembleia da República, o que na minha opinião ocorrerá pela primeira vez em Moçambique;
b) Penso que seja nessa deliberação que deverão constar as matérias a rever assim como os respectivos fundamentos;
c) O segundo processo, é atinente ao debate das alterações a introduzir e a sua aprovação por maioria de dois terços dos deputados da Assembleia da República, quando tais alterações não envolvam matérias sujeitas a referendo.
A exposição pública deste meu raciocínio tem como objectivo acalmar a todos aqueles compatriotas que já manifestaram os seus receios e desconfianças em volta da prevista revisão constitucional, apelando-os no sentido de que o mais importante é que todos estejamos atentos e vigilantes, de modo que o processo ocorra com estrita observância de todas as formalidades constitucionais, o que só será possível se tivermos conhecimento e domínio profundos da Constituição.
Ninguém pode amar e muito menos defender aquilo que mal conhece!
Assim sendo, penso que só depois de conhecermos as matérias a rever e as respectivas razões constantes da deliberação de assunpção dos poderes extraordinários de revisão, é que estaremos em melhores condições para reagir de forma racional e consequente.
É que dúvidas não restam que a nossa ignorância, aliada à falta de vigilância, podem ser aproveitadas por políticos charlatães para fazerem passar matérias sujeitas a referendo sem que tenham sido submetidas a este tipo de escrutínio.
Então, torna-se imprescindível ter sempre presente que as habituais audiências públicas, preparadas e efectuadas antes do início dos debates na Assembleia da República, não substituem de forma nenhuma o referendo exigido pela Constituição.
Por isso, acho que todos os cidadãos moçambicanos deveriam possuir no mínimo um exemplar da CRM para o seu estudo diário, como faz o bom cristão em relação à Bíblia Sagrada!
E já agora, permitam-me observar que o artigo 291 da CRM parece-me que peca ao não referir-se de forma clara àquilo que ouso designar por processo de revisão propriamente dito, que na minha imaginação deveria iniciar pela apresentação de um “projecto de revisão”, que daria lugar à aprovação da chamada “lei de revisão”.
Em acréscimo, e só para terminar, observo ainda que a referência clara ao processo de revisão entraria em consonância com a redacção do n.º 2 do artigo 295 da CRM, segundo a qual “as alterações da Constituição que forem aprovadas são reunidas numa única lei de revisão”.
Mas sendo esta uma matéria cuja abordagem pertence aos doutos constitucionalistas, evito tecer mais considerações, razão pela qual fico por aqui.

Fonte: Jornal Notícias - 28.09.2010

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