domingo, maio 20, 2012

Transparência para inglês ver

Todos nós conhecemos a histórica opacidade do aparato estatal desenvolvido pela Frelimo, enquanto força política única no controlo dos misteres governamentais há 37 anos.

Também sabemos da grande cambalhota que a maior parte dos seus dirigentes teve que fazer para se adaptar à convivência multipartidária decorrente dos conflitos internos e da Constituição aprovada em 1990.
Por isso que democracia, pluralismo e transparência são palavras que é mais ou menos fácil pronunciar, mas cuja prática continua muito aquém do que seria de esperar, mesmo que este ano celebremos 20 anos de Paz.
A paranóia do secretismo, por oposição à transparência, continua a ser o mote para a maior parte dos dirigentes estatais, mesmo que por vezes isso os acabe por cobrir de ridículo. A obsessão em manter “secreto” o local do paiol onde ocorreram as explosões que vitimaram uma centena de moçambicanos, foi ridicularizada pelas fotos acessíveis em tempo real na internet através do programa “Google Earth”. Ficou conhecido o boçalismo governamental quando tentou “negociar” com os suecos a publicação de uma auditoria às bolsas concedidas a Moçambique, decorrente do direito que todos os Nórdicos têm em saber como é gasto cada centavo desembolsado na cooperação internacional.
Até agora ninguém sabe o que o Governo acordou com a Igreja Católica, num documento que assinala o relacionamento institucional entre Moçambique e o Vaticano, pós Concordata e o Acordo Missionário.
Por estes e muitos outros exemplos não deve deixar de ser saudada a decisão governamental em aderir à Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE), um sector que promete, nos próximos anos, ser pródigo em dividendos para o país e, por isso mesmo, à partida, motivo de inúmeras interrogações por parte da opinião pública, já nesta altura muito céptica a expressões politizadas e manipulativas do tipo “Cahora Bassa é nossa”.
Dos ecos que nos chegam de Quelimane, o local onde foi lançado o segundo relatório da ITIE, há também muitas interrogações quanto às reais intenções em de facto assegurar a maior transparência nas operações da indústria extractiva. Eventualmente, pelos factos que emergiram do último relatório e que, consubstanciam alguma da crítica que tem sido feita à forma como o Governo tem negociado os grandes projectos.
A título de exemplo, os pagamentos feitos em 2009 pela indústria extractiva representam apenas 2,3% do total das receitas do Estado para o mesmo ano. Mais significativo, ao serem desagregadas as rubricas dos pagamentos efectuados, descobre-se que dois terços dos desembolsos correspondem a retenções na fonte dos impostos dos trabalhadores(25%) e descontos às empresas que prestam serviços ao sector (42%). Daí resulta que a contribuição fiscal directa das empresas extractivas equivale apenas a 1% da receita do Estado. Segundo uma análise que publicamos nesta edição, a Sasol, por força dos acordos com o Governo, acordos que são desconhecidos da opinião pública, pagou de IRPC (imposto sobre rendimento) em 2009 o equivalente a USD 3600, o que equivale a 380 vezes menos que o que a contraparte moçambicana no projecto, a CMH (Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos) pagou e esta apenas tem 25% do projecto contra os 70% da Sasol.
Apesar de ser difícil o trabalho através dos números, podemos afirmar que este é já um reflexo positivo de um tal relatório.
Não deixa contudo de ser preocupante, as referências que são feitas à sistemática obstaculização por parte do Governo em se conhecerem os regimes fiscais de que beneficiam as empresas do sector extractivo. Não admira que perante este posicionamento do Governo, das empresas inquiridas sobre a disponibilidade em publicitarem o seu regime fiscal, seis responderam favoravelmente, sete negativamente e 10 nem sequer se pronunciaram, não se sabendo também os nomes das entidades abrangidas pelas respostas.
Esta posição governamental leva-nos a outra interrogação decorrente dos gritantes conflitos de interesse patenteados pelos vários funcionários seniores do Ministério dos Recursos Minerais envolvidos em empresas do sector, a começar pelo próprio coordenador governamental na ITIE.
Costuma-se dizer que quem não deve, não teme, e esta tem que ser a posição governamental na ITIE, para que, de facto, a intenção de adesão não seja apenas o cumprir de agenda decorrente dos compromissos com as instituições de Bretton Woods.
Caso contrário, estamos perante mais um exercício, idêntico ao dos brasileiros perante os britânicos, a propósito da abolição da escravatura no século XIX: Para inglês ver!

Fonte: SAVANA - 18.05.2012

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